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30 abril, 2011

Presidente da Carris diz que sector dos transportes "está à beira do abismo"

in Jornal de Negócios 29.04.2011

"O actual presidente da Carris, que falava em nome individual no evento final do movimento "Mais Sociedade", que decorre hoje e sábado em Lisboa, reconheceu que existe "má gestão" em alguns casos, sobretudo da parte do Estado.

"Há má gestão? Claro que há má gestão nalguns casos. Existe sobretudo má gestão do accionista, existe sobretudo uma grande irresponsabilidade dos responsáveis políticos", afirmou o gestor.

José Silva Rodrigues, cuja apresentação se focou nas empresas de transporte CP, Metropolitano de Lisboa, Metro do Porto, REFER, STCP, Transtejo e Soflusa, sublinhou a "pesadíssima herança histórica que vai custar mais de 16 mil milhões de dívida acumulada e cerca de 10 por cento do PIB", para ilustrar o estado do setor, que diz estar à beira do abismo.

"O sector está à beira do abismo mas isso não surpreende, não pode surpreender ninguém. Há muitos anos que caminhamos para a beira do abismo. É uma verdadeira bola de neve que está a rolar a uma velocidade vertiginosa, sabíamos todos que ia esbarrar contra uma parede um dia, mas não esperávamos que a parede fosse a situação que vivemos agora", disse.

Entre os principais problemas que identificou, está o sistema complexo montado nos transportes públicos, explicando que existem em Lisboa "mais de 500 títulos diferentes", uma base tarifária média "muito inferior ao custo médio por passageiro" ou a política dos chamados passes sociais, que diz "não têm critérios sociais". 

Como soluções apresentadas ao movimento, o responsável defendeu a necessidade de "repensar os investimentos" e a sua racionalização para critérios orientados não para as necessidades do país, mas para as suas possibilidades, uma orientação clara do papel do Estado no sector.

Nas empresas, o gestor defende a sua reestruturação, e mesmo a possibilidade de começar do zero em termos de dívida, recorrendo a um parqueamento de dívida através de sociedades veiculo e contratualização do serviço público, admitindo, sempre a nível pessoal, que a privatização destas empresas podia ser positiva para o sector. "


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Não pode deixar de suscitar surpresa a participação "a título individual" de um gestor de uma empresa pública num evento partidário, falando precisamente da própria empresa que gere em favor de uma tendência programática de uma força política, parece-me claro que está no mínimo a ser pouco profissional e no máximo a ter um comportamento deontológico questionável.

Dito isto, é sempre útil debater os desafios das empresas de transportes públicas e abordar sem medos a questão dos seus problemas financeiros, apontando o dedo especialmente em relação à falta de  intermodalidade, à simplificação da bilhética e racionalização dos investimento, entre muitos outros.
São direcções óbvias para a melhor saúde destes serviços e que levariam a perguntar a JSR, qual tem sido a sua contribuição, enquanto gestor de uma empresa de transportes pública, para as implementar.

Porém, não consigo compreender como é que, sendo assinalada a óbvia incompetência na gestão actual das empresas, se evita a menção às óbvias ingerências políticas na mesma, preferindo-se seguir a retórica falaciosa de que é a natureza pública destas empresas a causa da sua má gestão.

Não faltando exemplos de empresas públicas de transporte bem geridas e prósperas pela Europa fora, fica-se com a impressão de que estas críticas não só desresponsabilizam os verdadeiros causadores da situação actual como parecem advogar a introdução de novos modelos que não representam necessariamente mais vantagens para os utentes.


Nuno Oliveira