por JOSÉ MIGUEL GASPAR
Passam ali todo os dias, o Hugo e o Sr. Vaz, duas vezes ao dia debaixo daqueles altos alçados decorados com 20 mil azulejos de azul e de branco. Invariavelmente, eles e dezenas deles em todos os minutos ao largo do dia, chegam e param naquele pátio para levantar o nariz.
Ali formiga-se, é uma estação, S. Bento, Porto, chegam e partem pesados comboios e naquele hall passam passos apressados, encarreirados, cruzados, e eles estão ali, de pescoço erguido, a olhar sem ver os azulejos portistas que relatam torneios, coisas de Egas e de D. Henrique (que aqui veio ao Porto para casar com Filipa de Lencastre, foi há 622 anos), nariz no ar à espera que o grande quadro de horários lhe diga a linha em que vão seguir.
Vêm para o Porto e regressam para Braga, todos os dias, os dois, o Hugo e Sr. Vaz, pessoas que apreciam as suas comodidades.
Reformado honrado da indústria têxtil do Vale do Ave, 68 anos, casado há 46 com uma minhotinha, casinha na Cidade dos Arcebispos, o Sr. Vaz viu-se obrigado a vir ao IPO do Porto de segunda a sexta-feira durante três meses. "Ando a tratar um pequeno cancro de próstata que já está quase aviado", diz ele, alivia-se, dá graças por Deus. De carro gastava pelo menos 12 euros de gasolina e mais seis de portagem; de comboio a ida e a volta fica por 2,20 euros, "para mim é metade que já estou reformado".
Nunca tinha andado, o Sr. Vaz, um curto cabelo da cor da platina, e logo ficou fã do comboio, ele que passeou toda a vida de carro. "É um deslize, gosto muito, a viagem é alegre, a paisagem variada. Deixa-me sempre relaxado", diz ele, ainda espantado com o rigor dos carris. "Não dá para acreditar: nunca, nunca, nunca se atrasa". E sai a sorrir.
Passa por ele e não o vê, vai rápido, Hugo Oliveira, 25 anos, designer, boa pinta, óculos escuros gamados a "Cães danados". Vai directo: "Carro não compensa, é impossível. Moro em Braga, trabalho no Porto, já viu o que era?", conta ele, que já viu. "O comboio é 4,40, sim, ida e volta, e o passe 51,50 euros. Nem preciso fazer contas - é para aí 10% do preço". E vai, o Hugo, um Mr. Blonde a caminho de Braga.
É cómodo, compensa, traz outro atractivo: é severa a nobreza do granito daquela estação, majestosa a fachada, bela arquitectura, gramática de fundo neoclássico tardio, linda, a estação de S. Bento, dourada ao entardecer.