por Agência Lusa, Publicado em 07 de Agosto de 2010
Portugal precisa de investir num plano nacional ferroviário nos próximos dez anos, segundo especialistas contactados pela Lusa, que consideram o comboio como a solução de transporte mais viável e criticam a obsessão dos últimos governos pela construção de estradas.
“Quando se decide construir uma autoestrada neste país os decisores políticos validam o projeto, fazem-se os estudos estritamente necessários, decide-se e constrói-se. Quando se trata de uma ligação ferroviária, passam-se às vezes 30 anos de estudos, re-estudos e não se faz”, afirmou o especialista em transportes Manuel Tão, investigador na universidade do Algarve, salientando que o ciclo de “actividades económicas ligadas à estrada e ao petróleo, à venda de viaturas e à venda de combustíveis está atualmente em ruptura”.
Neste momento, o economista apenas vê a necessidade de “uma autoestrada extra” em Portugal: a A4 de Amarante para Vila Real e Bragança.
“Fora disso, estamos a investir em autoestradas com muito baixo retorno e que já não vêm acrescentar nada de estrutural, mas aumentar a nossa dependência rodoviária”, considerou Manuel Tão.
Também Lopes Cordeiro, especialista em ferrovia e docente na Universidade do Minho, defende a inversão total da política que tem vindo a ser seguida para o caminho-de-ferro português nos últimos 10 anos, com uma “disparidade enorme” quando comparado com o investimento na rodovia.
“O problema da governação deste país, nas últimas décadas, é a falta de visão do que vai ser Portugal daqui a 20, 30, 50 anos… A continuar esta política, daqui a 50 anos, Portugal está numa estreita faixa do litoral entre Braga e Setúbal. Se não se faz já, reverter esta situação fica cada vez mais caro. Isto é suicidário e tem de se inverter”, observou Lopes Cordeiro.
Manuel Tão realça apenas dois momentos nos últimos anos com algum investimento significativo na via-férrea, principalmente a nível da electrificação da via e investimentos nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto: por altura da Expo 98 e do Euro 2004.
“Claro que existem outros investimentos previstos, nomeadamente ao nível da alta velocidade, mas são insuficientes”, afirmou, considerando que Portugal precisava “urgentemente, e nos próximos 10 anos, de um plano de recuperação da rede ferroviária tradicional”.
“Qualquer coisa como cinco ou seis corredores que estivessem vocacionados sobretudo para três coisas: consolidar a rede ferroviária convencional, dar vazão aos portos portugueses em direcção à meseta e além Pirinéus e também distribuir a rede de alta velocidade”, considerou.
Em termos de construção do zero, Manuel Tão destaca como “urgentíssima e para ontem” a ligação do Algarve à Andaluzia, porque “ não se compreende que uma região turística como Algarve não tenha ligação ferroviária à vizinha Espanha”.
Outra construção urgente seria uma variante de Nelas ao parque industrial de Viseu antes de reentrar na via da Beira Alta, porque “não se admite, a nível europeu, que uma cidade com 100 mil habitantes não tenha caminho-de-ferro”.
O especialista defendeu ainda “a modernização da rede existente, com a linha do Oeste à cabeça, e a reabertura de alguns troços”, o mais urgente dos quais seria o troço internacional da linha do Douro.
Para distribuir a Alta Velocidade de Porto a Vigo seria também importante modernizar a linha do Minho e apostar na linha do Alentejo, que passa a um quilómetro do aeroporto de Beja.
“Esta linha é importante como corredor alternativo ao corredor Sines-Espanha, mas também porque se fosse modernizada conseguia colocar Beja a menos de uma hora e meia de Lisboa. Pensar no aeroporto de Beja para voos ‘low cost’ só tem sentido com um interface ferroviário”, considerou.