in Público 02.02.2011, por Carlos Cipriano
"Duas décadas de aposta em auto-estradas e de fechos sucessivos de linhas de comboio fizeram com que Portugal perdesse, durante este período, 99 milhões de passageiros de caminhos-de-ferro.
Este número ilustra, de forma clara, o que tem sido a evolução do uso da ferrovia em Portugal, em contraponto claro com aquilo que se passa na maior parte dos outros países europeus. E faz com que se questione o impacto das políticas seguidas neste sector no passado e no presente.
(...)
A quota de mercado do caminho-de-ferro no transporte de passageiros afundou-se em cerca de 66 por cento entre 1990 e 2008. Essa quota face à rodovia não passa hoje dos 4,4.
É claro que para isto muito contribuiu a forte aposta na infra-estruturação rodoviária do país. Os números do Portugal do betão e do alcatrão são significativos: o pequeno país periférico tem 20 metros de auto-estrada por Km2 contra 16 metros que é a média europeia. Mas na rede ferroviária só possui 31 metros por Km2 contra 47 metros da média da União Europeia.
Não surpreende, assim, que nos países da Europa Ocidental Portugal seja o único que, em 20 anos, perdeu passageiros na ferrovia.
(...)
Mas o mais curioso é que o único país dos três dígitos é precisamente a Espanha, com um aumento de 157 por cento. Em 20 anos, passaram de 182 milhões de passageiros dos seus velhos comboios dos anos oitenta (muitos deles, à época, bem piores do que os portugueses) para 467 milhões de clientes da ferrovia.
(...)
Entre 1992 e 2008, por cada euro investido no caminho-de-ferro eram aplicados 3,3 euros na rodovia. Durante este período, a Refer investiu 5,9 mil milhões de euros e os contratos da Estradas de Portugal para construção de novas vias rodoviárias atingia 19,8 mil milhões de euros.
E a divergência tem vindo a acentuar-se. Por exemplo, em 1995, enquanto a Refer investia 250 milhões de euros nos carris, a Estradas de Portugal avançava com um pacote de 12 novas concessões (três delas vindas do Governo de Durão Barroso) no valor de 4,5 mil milhões de euros relativos a 2500 quilómetros de estradas.
(...)
Nelson Oliveira critica também "o sucessivo espartilhar dos diversos serviços, com uma artificial separação entre longo curso, regionais e suburbanos que torna o comboio pouco atractivo para quem tenha necessidades de usar mais do que um comboio". É por isso, explica, que o encerramento de ramais e diminuição de serviços regionais afasta cada vez mais o público. E conclui: "Os decisores parecem esquecer-se de que estes serviços também alimentam os serviços principais com passageiros. A prosseguir este caminho, mata-se o doente à procura da cura".