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22 setembro, 2009

Manifesto da ComboiosXXI - Setembro 2009

A Associação Comboios XXI tem a sua génese na luta dos utentes da linha de Braga pela melhoria das viagens entre aquela cidade e a cidade do Porto. Começou por um vigoroso protesto contra a insensata alteração de horários, em Março de 2007; algumas das pessoas que lideraram esse protesto começaram a conversar sobre o assunto que lhes era comum, e em Janeiro de 2008 nasceu a informal Comissão de Utentes da Linha Braga/Porto (CULBP), sobretudo reunida em torno do blogue “Braga-Porto em 40 minutos”, que promoveu uma petição dirigida à Assembleia da República visando a melhoria do serviço ferroviário naquela linha, petição essa subscrita por mais de sete mil cidadãos. Os principais dinamizadores da CULBP, tomando progressivamente consciência de que o problema extravasava largamente a visão paroquial que inicialmente tinham, fundaram a “Associação Comboios para o Século XXI”, tendo por objectivo promover o meio de transporte ferroviário em geral.

Na linha da sua acção, actualmente a Comboios XXI está a desenvolver um conjunto de acções que visam, por um lado, divulgar o comboio como o meio de transporte de eleição do nosso Século, e, por outro, reivindicar acções concretas que confiram a esse meio o conforto e a rapidez adequados à satisfação de um crescente número de utentes.


As nossas preocupações principais respeitam aos temas abaixo sucintamente abordados:

1. A conclusão da variante da Trofa, prevista para o Verão do próximo ano, acabará, ao fim de mais de seis anos, com as desculpas da CP para não reduzir os tempos de percurso nas linhas de Braga e de Guimarães, desenhados a pensar no actual estrangulamento; resta saber se, na CP, haverá disponibilidade para essa exigência.

2. No troço entre Ermesinde e Contumil, onde confluem os comboios Alfa, inter-cidades, internacional (Vigo), regionais do Minho e do Douro, e urbanos de Braga, Guimarães e Caíde, circulam diariamente 199 comboios de passageiros, e mais uns quantos de mercadorias. A quadruplicação desse troço é apontada, desde os anos oitenta, como absolutamente prioritária; contudo, nenhum governante se comprometeu, até hoje, a adiantar uma data, estando actualmente o projecto em fase de uma excepcionalmente morosa avaliação de impacto ambiental.

3. Prometida para este mês de Setembro, a reabertura do serviço de passageiros da linha de Leixões estará provavelmente sabotada à partida. Crucial, no nosso entender, para a estratégia do transporte público na Área Metropolitana do Porto, o serviço de passageiros arrancará num percurso entre Ermesinde e Leça do Balio, com paragens apenas em São Gemil e São Mamede de Infesta – deixando de fora um núcleo populacional importantíssimo na área da estação do Lidador, e para as calendas a interface com o Metro e os autocarros nas imediações do Hospital de São João – o que certamente garantirá o argumento da falta de rentabilidade. Pelo que sabemos, não há planos a curto prazo para essas obras, nem tão pouco para a necessária extensão da catenária a Leixões e para a interface com o Metro no Senhor de Matosinhos.

4. Concluído o projecto em Março de 2004, a modernização do troço Caíde/Marco, da linha do Douro, com apenas 14,742 Kms de extensão, tem conhecido sucessivos e inexplicados adiamentos; agora, a obra foi a concurso – mas em dois lanços (Caíde/Livração e Livração/Marco)! – e talvez esteja concluída lá para o final de 2011. Este prazo pode, contudo, voltar a ser indefinido, se voltar a derrapar uma qualquer obra na área da capital.

5. A ligação de Viana do Castelo ao Porto, numa distância de pouco mais de 80 km, é feita actualmente, em mais de metade do seu percurso, numa sinuosa via de linha única não electrificada, demorando cerca de duas horas, na maior parte dos casos com um penoso transbordo em Nine. É imperioso alargar o serviço dos urbanos a Viana do Castelo, oferecendo viagens rápidas e confortáveis.

6. A ligação entre Braga e Guimarães, sonho velho de quase um século, é, na nossa opinião, não só uma premente necessidade para a mobilidade das pessoas de ambas, e entre ambas, as cidades, como é fulcral para o sucesso da ligação em Velocidade Elevada à Galiza, que necessita de uma rede complementar capaz de a abastecer. As últimas notícias, de que tivemos conhecimento, falavam de um estudo que dava a linha como inviável – sem que pudéssemos ter acesso aos dados concretos que suportam tal conclusão, que achamos, pelo menos, insólita.

7. Os comboios do serviço urbano do Porto andam actualmente sobrelotados nas horas de ponta, particularmente nos percursos cobertos pelo Andante; são raras as composições duplas a circular, porque não há material circulante. Isso pode dever-se, em boa medida, a um acelerado crescimento da procura (que tem tendência a aumentar ainda mais se o preço dos combustíveis disparar), crescimento que não foi previsto pela CP. Por isso, quando as escassas oito novas composições chegarem para reforço dos urbanos do Porto – lá para 2012/2013 – serão já manifestamente insuficientes para suportarem a procura e a degradação do actual material circulante.

8. Esse bem pode ser, de resto, o entrave essencial à criação de um serviço regional expresso entre Aveiro e Braga, com paragens apenas nas estações de maior movimento, que, pelas auscultações que temos efectuado, seria muito bem-vindo. Entre as duas cidades, temos apenas os serviços extremos da CP: urbanos (cujo percurso total demora entre duas e três horas) ou Alfa (e este somente com quatro viagens por dia em cada sentido).

9. A uniformização dos preços, com base apenas na distância dos percursos, deveria constar de Lei, porque a CP faz o que muito bem entende; por exemplo, uma viagem entre Braga e Porto custa 2,15 Euros, mas se compreender uma interrupção em Famalicão passa a custar 3,30 Euros! E os preços devem ser iguais para regionais e urbanos, pois não faz qualquer sentido que comboios mais lentos e desconfortáveis sejam mais caros.

10. A CP possui um muito louvável sistema de assinatura mensal flexível, que permite não confinar a validade da mesma do primeiro ao último dia do mês – como acontece em todos os outros operadores de transportes públicos. A sua adopção universal, ou pelo menos pelos operadores que têm serviço contratualizado com o Estado, permitiria não só acabar com as longas filas mensais, como minorar o martírio dos que não têm dinheiro fresco no final de cada mês.

11. A CP não possui um plano de emergência, articulado com o INEM/CODU, para os casos de doença súbita que acometam os seus passageiros – pelo menos no serviço urbano – ficando o assunto ao cuidado da maior ou menor sensibilidade dos seus revisores; já tomamos conhecimento de casos mal resolvidos, e pelo menos num deles há uma morte a lamentar.

12. O modelo de gestão da CP carece de uma profunda revisão, que permita uma cultura empresarial focada no utente, de onde sejam banidos os pecados, velhos de décadas, de uma estrutura anquilosada, burocrática, dispendiosa e pouco competente. Representantes dos utentes devem ter uma voz activa na gestão de uma empresa de serviço público, como é, ou devia ser, a CP.

Finalmente, mas não menos importante, a Comboios XXI tem estado atenta aos desenvolvimentos da rede de alta velocidade (AV); estamos mesmo a promover o esclarecimento e a discussão pública do assunto, quer através do nosso blogue, quer pelos debates que organizamos. Apesar dos nossos esforços, os esclarecimentos sobre matéria tão importante são escassos, e o que se sabe causa-nos sérias apreensões.

1. Do modelo da ligação Porto/Vigo

A ligação Porto/Vigo em Velocidade Elevada parece começar por ser, à partida, um desastre financeiro; na verdade, para já (e sabe-se lá até quando), linha de VE só mesmo a partir de Braga – o que limita drasticamente o mercado potencial da VE, que, sem uma ligação rápida ao aeroporto FSC e à cidade do Porto, ficará reduzido ao movimento pendular Braga/Vigo.

2. Da infra-estrutura a usar

Os rumores que nos chegaram colocam os comboios de AV a usarem a ponte de São João, tal como está, e a circularem na actual linha entre Campanhã e Braga. Ora,

- A ponte de São João é utilizada diariamente por 140 comboios do serviço de passageiros, e mais umas dezenas de mercadorias; nas horas de ponta, circulam, em cada sentido, cinco a seis comboios por hora, pelo que colocar lá a AV significará necessariamente cortar no serviço urbano. A solução deve passar, obrigatoriamente, pela ampliação da ponte (sendo apenas de discutir a questão da bitola, ou seja, se a ampliação deve servir apenas a AV).
- Entre Campanhã e Ermesinde, circulam diariamente 199 comboios de passageiros, e mais uns quantos de mercadorias; e se a quadruplicação da via pode ajudar na resolução dos congestionamentos e dos impedimentos actualmente verificados, a sua utilização pela AV comprometerá definitivamente o aumento da oferta nos urbanos, que já hoje é premente.
- A circulação dos comboios de AV na linha de Braga só prejudicará o serviço urbano, não acrescentado qualquer valor ao outro; na verdade, ligações rápidas dos urbanos, ou um serviço regional expresso, com paragens apenas nas cidades, seriam muito mais vantajosas, quer porque diminuiriam o tempo total de percurso para os potenciais passageiros da AV fora das cidade do Porto e de Braga, quer porque contribuiriam para aumentar a oferta nos urbanos.

3. Da articulação com portos e centros de logística

Nos desenhos que conhecemos, a ligação da AV aos principais portos nacionais, provavelmente com excepção do porto da capital, fica postergada. A polémica em volta do tema é elevada, parecendo claro o desnorte da RAVE.

Dos centros de logística, actuais e futuros, o que se sabe é que nada está esclarecido quanto à sua integração com a rede ferroviária, e particularmente com a AV (sendo o caso mais próximo e mais gritante o da Trofa/Maia, que aparentemente ficará fora de qualquer rota ferroviária).

Manifesto da associação ComboiosXXI
2009.09.09