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10 março, 2011

Há algo de podre no vale do Tua

in Diário de Noticias, por Daniel Conde (Movimento de Cidadãos em Defesa da Linha do Tua)

Há algo de podre no vale do Tua, e não é o fantasma do futuro a trazer um travo a esgoto das águas eutrofizadas da albufeira do Tua.

Há algo de errado quando um Estudo de Impacto Ambiental e um Relatório de Conformidade Ambiental de Projecto de Execução (RECAPE) afirmam numa base científica que a barragem vai ser desastrosa a nível regional e insignificante a nível nacional, mas a barragem avança.

Há algo de errado quando a Linha do Tua tem vindo a ser abandonada ou mesmo mencionada no caso Face Oculta, mas a culpa da má manutenção da via e estações é atirada como que para os próprios utentes que a utilizam. Há algo de muito errado quando um consultor da UNESCO afirma deslumbrado que a Linha do Tua tem todas as condições para ser considerada Património da Humanidade, reiterando o que disse o Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (Ifespar) sobre o seu valor patrimonial único, mas depois os ministérios do ambiente e da cultura (e depois o próprio Igespar) concluem que nem o vale nem a Linha do Tua têm valor patrimonial ou ambiental algum, arquivando com uma celeridade desconcertante o processo de classificação desta como Património Nacional.

Algo não está bem quando os comboios da Linha do Tua ficam sobrelotados de turistas, quando o Plano Estratégico Nacional de Turismo e o Plano Regional de Ordenamento do Território do Norte prevêem maravi- lhas turísticas para esta região, e quando um projecto de turismo ferroviário para a Linha do Tua fica em terceiro lugar num concurso na- cional de empreendedoris- mo, e a CP e a Referfecham as portas à sua exploração turística.

Algo de muito errado se passa quando com um projecto ferroviário de baixo custo se poria um madrileno em Bragança em duas horas, e nos debates havidos em Trás-os-Montes sobre desenvolvimento ninguém diz uma palavra sobre caminhos-de-ferro.

Muito mal vai o estado da Democracia quando a voz de 18 mil peticionantes contra a construção da barragem do Tua e a favor da reabertura, modernização e prolongamento da Linha do Tua, defendendo inclusivamente métodos alternativos mais baratos e mais eficientes de produção e poupança de energia, não é ouvida ou não é suficiente para calar a de meia dúzia de indivíduos mal intencionados e de carácter duvidoso.

A lista de incongruências, atropelos, e laivos de acti- vidades amplamente contempladas no Código Penal avoluma-se. Vagas de estudos científicos e pareceres de especialistas - de entre os quais UNESCO e Comis- são Europeia - que apontam um severo dedo à barra- gem do Tua e coroam de louros o vale e a Linha do Tua, esboroam-se com um rumor de espuma do mar con- tra sabe-se lá que perigosos rochedos e contracor rentes.

Chegados a este ponto é lícito perguntar: em que mundos vive o Ministério Público e a PJ, ou será que o vale e a Linha do Tua é que já não pertencem a este mundo? Tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto fede.