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08 maio, 2011

De que falamos quando falamos em PPPs e défice no sector dos Transportes?


Num momento em que as Parcerias Público Privadas estão no cerne da discussão sobre a situação económica do país, o colunista Rui Rodrigues faz uma análise que procura fazer um discernimento sobre o modo como se distribuem este tipo de contratos e o seu peso relativo, leitura essencial para que se possa ter uma discussão rigorosa sobre este tema que nos afecta a todos.

Tornam-se óbvias as duas principais causas do declínio do serviço ferroviário nas duas últimas décadas: uma aposta irracional e desproporcional na rodovia e investimentos despesistas e desnecessários na ferrovia. O resultado é um contínuo desinvestimento nos projectos necessários para que este serviço prosperasse, conduzido para projectos rodoviários, e uma ineficiência em muitos dos investimentos feitos, que aumentam o défice das empresas em vez de contribuírem para o seu crescimento.

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Parcerias e concessões de infra-estruturas foram as “menos aconselháveis”

"Neste artigo será efectuada uma descrição e análise de um documento oficial da Direcção Geral do Tesouro e Finanças, de Julho de 2010, sobre as várias Parcerias Público Privadas (PPP) e Concessões em infra-estruturas correspondente a 120 projectos, num valor superior a 60 mil milhões de Euros considerando o investimento inicial e prazos de concessão, que pode ser consultado aqui.  

A repartição do investimento total é, como se lê no gráfico 2.1 da página 6 do referido documento, a seguinte: 

41% para Rodovia (novas auto-estradas e vias rápidas)
19% para Ambiente (Águas, Saneamento e Resíduos)
12% para Produção de energia eléctrica (Novas Barragens)
10% Distribuição de energia eléctrica
9% Produção e distribuição de Gás Natural
4% Ferrovia
4% Portos 
1% Saúde e Segurança

A maioria dos políticos, economistas e a grande parte da imprensa quando se refere às PPP só mencionam a construção do novo troço ferroviário Poceirão-Caia e raramente questionam que a maior parte do investimento vai ser dirigido para novas auto-estradas, águas, saneamento, resíduos ou novas barragens. Esta é talvez das grandes surpresas ao estudar com maior atenção o documento do Governo.

O Ministro das Finanças Teixeira dos Santos, em declarações à Imprensa, informou que Portugal só terá receitas financeiras para cumprir os seus compromissos até ao mês de Maio de 2011. Estas afirmações confirmam as dúvidas que todos os analistas colocavam sobre os pesados encargos financeiros anuais de milhares de milhões anuais que os contribuintes vão ter que pagar. Se neste momento já existem dificuldades em cumprir os encargos actuais, o maior problema ocorrerá num futuro próximo.

Após o ano de 2013, devido às novas auto-estradas, os encargos vão subir de 700 para 2 mil milhões de Euros, o que corresponde a um aumento do IVA em 2%, com todos os riscos a assumir pelo Estado. Portugal já está fortemente endividado e em 2010 o Governo aumentou a dívida externa, numa média mensal de 2 mil milhões de Euros. Para se ter uma boa imagem deste montante, poderemos dizer que corresponde quase ao custo de duas Pontes Vasco da Gama. Por ano serão 24 mil milhões de Euros de despesa, o que equivale a quase 24 Pontes Vasco da Gama.

Esta é uma situação insustentável, que vai obrigar a parar a maioria dos investimentos nas Parcerias Público Privadas (PPP) e concessões na rodovia, ferrovia, hospitais, barragens, saneamento, resíduos e água. A soma total poderá atingir mais de 60 mil milhões de Euros, o que o país não pode suportar. Como a maior parte do capital terá que ser obtido através de empréstimos no estrangeiro e devido ao elevado valor dos juros, quase todos os projectos deixam de ter rentabilidade que justifique o investimento.A forma mais segura de investir deveria ser em função do rendimento disponível, evitando crescimento baseado em endividamento.
 
Os principais projectos em PPP e concessões

Iremos ver alguns dos projectos mais conhecidos, como sejam o Novo Aeroporto de Lisboa, a Terceira Travessia do Tejo, novas Barragens, novas auto-estradas, nova rede ferroviária e finalmente o exemplo da Ponte Vasco da Gama, avaliado 16 anos após o seu contrato, para observar como foram pensadas as novas infra-estruturas.

Para se construir o novo aeroporto de Lisboa pretende-se privatizar a empresa ANA-Aeroportos, que no ano de 2007 gerou lucros de 48 milhões de Euros. Explorar aeroportos é um negócio fácil, enquanto que gerir companhias aéreas é um negócio arriscado devido à forte concorrência do mercado.

O Governo tem dito que a empresa que ganhar a privatização da ANA terá a concessão, exploração e construção do novo aeroporto de Lisboa e será efectuada a substituição do actual monopólio do Estado por um monopólio privado, isto é, durante os 40 anos de concessão nenhum aeroporto de baixo custo poderá ser construído em Portugal continental. Assim, o Estado irá perder receitas durante várias décadas, de uma empresa que todos os anos contribui positivamente para o Orçamento Geral do Estado que reverterão para o privado que ganhar a privatização da ANA. A perda de uma receita é sempre um prejuízo. Mais grave ainda, o mercado será viciado para o operador privado. Pretendeu-se construir um novo aeroporto na Ota que seria a maior infra-estrutura do mundo sobre leito de cheia e em que a pista Oeste estava fortemente limitada devido a vários obstáculos como a Serra de Montejunto. A Ota era de longe a localização mais cara e mais complicada para construir e a pior, do ponto vista aeronáutico.

No caso das barragens, a melhor opção é investir na eficiência energética por ser 10 vezes mais barato ou no aumento da potência das que já existem, e o impacte ambiental é nulo, em vez de gastar milhares de milhões de Euros em novas. Um bom exemplo disso é comparar o reforço da potência da barragem de Venda Nova com as novas barragens. Nestas, a relação custo benefício é 240% mais cara que o reforço da potência da barragem de Venda Nova. Convém recordar que já existem 165 barragens e que as mais rentáveis já estão construídas. As 10 novas projectadas só irão aumentar a produção de energia eléctrica, no máximo, em 3%.

Relativamente à nova rede ferroviária o Governo pretende optar pela solução: Mercadorias em bitola ibérica e para passageiros em bitola europeia. Representam um custo a duplicar, pois vai ter que se investir em duas redes distintas: na remodelação da rede existente, como é o caso da Linha Sines-Badajoz em bitola Ibérica e nova construção na futura rede de bitola europeia no novo troço Poceirão-Caia.

A solução adequada deveria ser uma nova rede interoperável, integrada na rede Trans-Europeia de transportes TEM-T, que permitirá a conexão entre as redes dos diferentes países da União Europeia (UE), com sinalização europeia ERTMS, electrificação e bitola europeia onde circulam as mercadorias à noite e passageiros, durante o dia e na mesma via, ou seja uma rede para tráfego misto.

No caso da Terceira Travessia sobre o Tejo existiam vários corredores possíveis mas foi escolhido o de Chelas-Barreiro através de uma ponte com quatro vias que será das maiores do mundo. Este corredor é o mais caro, mais complicado e vai aniquilar o porto de Lisboa.

Relativamente às novas auto-estradas, que são o maior investimento e cabendo ao Estado pagar a compensação ao concessionário em caso de não se atingir os resultados estimados, a realidade demonstra que foram escolhidos traçados que nunca irão ter tráfego que justifique a infra-estrutura. Um dos exemplos mais surpreendentes é a do Douro Interior entre Celorico da Beira (Guarda) e Macedo de Cavaleiros.

O contrato da Ponte Vasco da Gama foi assinado em 1995, tendo o seu custo atingido um total de 897 milhões de Euros. Os fundos comunitários representaram cerca de 35% deste valor. Os comentários do Tribunal de Contas, relativamente ao financiamento desta ponte, foram os seguintes: “Só pelo facto do Estado ter prolongado a concessão 7 anos as perdas foram superiores a 1047 milhões de Euros”. Quem fizer as contas chegará à conclusão de que a infra-estrutura irá custar, no total, quase o triplo do custo original. Teria sido muito mais eficaz o Estado pagar a totalidade da obra através de um empréstimo e a amortização seria feita pelas portagens.

Mais grave ainda foi o facto do contrato que o Estado Português assinou com a Lusoponte para a construção da Ponte Vasco da Gama, ter dado àquela empresa o direito de opção para a construção das novas travessias rodoviárias, entre Vila Franca de Xira e Algés-Trafaria, durante as próximas décadas. Tal acordo deixou o Estado português dependente, através de um contrato com uma empresa privada e, por esta razão, se a nova Ponte Chelas-Barreiro for rodoviária, o Governo terá que negociar prováveis indemnizações com a concessionária que ficou com o monopólio das travessias rodoviárias. Os utentes da Ponte 25 de Abril revoltaram-se contra o aumento das portagens porque se recusaram a pagar uma nova ponte que nem sequer utilizam.

Após a descrição dos principais projectos podemos verificar que em todos eles os riscos e prejuízos estão sempre do lado do Estado e se viciou o mercado para favorecer e assegurar lucros ao privado. Estas infra-estruturas absorvem grandes recursos financeiros e a Banca dá-lhes preferência devido às garantias do Estado, em detrimento das pequenas e médias empresas que representam a maioria da economia nacional."